Irevir


Ali um rosto de rugas profundas e olhos esverdeados de olhar perdido. Escorado mais à esquerda, outro, cabelos escuros e finos sobre o rosto e com eles um olhar perdido. Mais próximo, corpo franzino em meio vários casacos de lã, mãos inquietas e aquele mesmo olhar perdido. Aqui, eu, com aquela aparência e jeito meu, e o olhar perdido, perdido nos olhares distantes daquelas inúmeras friorentas e dispersas pessoas, cada uma em sua ilha, em seu infinito particular, em seu mundinho confuso, cheio de decisões, paixões e complicações.
Eu? Dispersa a observar seus mundos, analisar suas manias, imaginar suas famílias e indagar seus pensamentos.
Essa sou eu indo e vindo do meu curso de graduação de Direito em um ônibus do transporte público municipal, pensando como pode essas pessoas serem tão desligadas uma das outras. Eu faço esse mesmo trajeto todos os dias com quase sempre os mesmos rostos, e ainda assim, me aventuro todas às vezes a observar, observar e observar a saga humana de usar o transporte muitas vezes encostando em outros , mas com aquele repetitivo olhar distante e parado, como se estivesse sozinho, como se a vida só continuasse no momento em que de lá livrassem seus corpos, que novamente então, passariam a ter alma.
40 Cabeças de homo sapiens dentro de uma lata verde de rodinhas, e em meio a esses corpos, eu, de olhos agitados, pensamentos curiosos e idéias bizarras. Contando quantos casacos azuis posso notar, quantas mulheres de cabelos presos, supondo a causa da profunda cicatriz do senhor de jaqueta de couro, presumindo a quantidade de filhos da senhora carrancuda e inventando uma casinha e uma vida para todos aqueles indivíduos-individuais tão individualistas de olhares tão distantes, aqueles típicos olhares distantes.
Diz a Constituição, que todos temos dentre outros direitos, o direito ao lazer. Então, como sou tão rígida em cumprir meus deveres, faço questão de exercer com muito prazer esse meu direito, me divertindo no ir e vir.
Fico grata a todos esses passageiros do transporte público, por meus 40 minutos de recreação mental. Quando vocês não pisam em meus pés, posso até sentir um carinho platônico por todos vocês.
Agora, preciso entrar no ônibus que chegou mais uma vez, e tudo recomeça até a hora de puxar a cordinha.

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