ESTADO QUENTE
Hoje Cecília me chamou pra conversar. Eu sabia o que ela queria com aquele jeito nervoso de sempre, eu sabia o que aquela respiração ofegante e mãos suadas queriam dizer. Mais uma vez Cecília sofria de amor. Eu sabia o que aqueles olhos piscantes representavam, eu sabia o que as pernas inquietas queriam dizer. Tudo indicava, mas Cecília não dizia. Eu sabia, eu sabia de tudo e sabia da dor. Você já sofreu de amor? Você já sentiu como se lhe faltasse uma parte de si? Você já quis chorar e beijar e morrer e viver e se perder, tudo ao mesmo tempo, mas de mãos atadas, pois o amor se faz de duas malditas partes, que muitas vezes não se encontram?É uma dor de prazer, é uma dor que entristece, enlouquece, mas aquece! Pois não amar é frio. É faltar uma parte que não existe, é não ter parte pra faltar. É acordar no meio da noite e sentir o vazio de não alucinar alguém dormindo ao lado. Mas, esqueça isso! Voltamos a Cecília! Ahh, doce Cecília, de olhos tão apagadinhos e mínimos. Sentou-se meio sem jeito na cadeira capenga do bar da esquina, botou as mãos sobre a mesa como quem espalha cartas pra não precisar dizer o que lhe dói, não me olhou nos olhos, pois talvez estivessem inundados demais, passou longos e dolorosos minutos emudecidos, de respiração ofegante que se misturava ao barulho estridente de copos e risos de gente feliz. Eu poderia interromper aquela aflição, podia dizer que sei de tudo e que entendo bem, podia contar uma piada que lhe fizesse sorrir o sorriso meigo de dentes bonitos que herdou da mãe. Mas aquele momento era clássico, era sua natureza adolescente apaixonada se manifestando, era doloroso e era lindo!
Cecília então vomitou! Vomitou-me tudo o que lhe doía, relatou-me a dor e a cor de cada emoção que passou, de cada beijo, de cada abraço, dos corpos e de quando percebeu que tudo... Não era.
Conselhos meus? Foram poucos e clássicos! Mas me renderam um forte abraço de gratidão.Nunca mais vi Cecília, talvez ela nem more mais aqui. Mas jamais esquecerei aqueles magníficos momentos intensamente adolescentes.Cecília era eu sofrendo desilusões alcoolizadas no bar da esquina. Cecília era minha intensidade adolescente. Cecília era complexamente linda!Talvez, você já tenha visto ela andando por aí, cabisbaixa e decepcionada com a vida, mas se você me indagou sobre o que ela tinha, com certeza lhe respondi algo como “é esse calor infernal que me abaixa a pressão!”.Um dia talvez, todos sentiram ou sentirão Cecília dentro de si, lhe desejo que sim! Ou talvez nada disso seja real ou faça sentido, é esse calor infernal que me abaixa a pressão!

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